Desde a emergência sanitária
relacionada ao vírus zika na América Latina, entre 2015 e 2016, cientistas
investigam possíveis correlações entre a infecção pelo vírus e o
desenvolvimento de manifestações neurológicas, como a síndrome de
Guillain-Barré, e da síndrome congênita do zika, que inclui diversos
distúrbios, como a microcefalia.
Pesquisadores do Instituto
Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)
e do Centro de Referência de Doenças Imuno-infecciosas de Campos dos Goytacazes
investigaram um caso raro de zika associado, simultaneamente, à síndrome de
Guillain-Barré e à ocorrência de aborto. O estudo, em anexo, publicado no
periódico científico Frontiers in Microbiology contribui para a
compreensão dos processos patológicos e de imunidade relacionados ao vírus.
Os pesquisadores investigaram
os impactos da infecção pelo vírus zika em uma gestante, de 28 anos, no estado
do Rio de Janeiro. Durante o período gestacional, a paciente começou a
apresentar fraqueza nas pernas e incapacidade persistente para andar – sintomas
característicos da síndrome de Guillain-Barré. A manifestação clínica incluía,
ainda, erupções na pele, coceira e vômito. A partir da realização de exames
obstétricos, foi constatada a morte do feto, com cerca de 15 semanas de
gestação.
Em um primeiro momento,
amostras do sangue e do fluido cérebro-espinhal da paciente foram submetidas a
testes sorológicos para identificação de anticorpos. Os resultados foram
negativos para zika, dengue, chikungunya, Epstein Barr e citomegalovírus –
microrganismos já identificados como possíveis causadores de quadros de
Guillain-Barré. Com isso, foi necessária a realização de análises
complementares. Participaram da investigação os pesquisadores Marciano Viana
Paes, do Laboratório
Interdisciplinar de Pesquisas
Médicas do IOC, e Jorge José de Carvalho, do Laboratório de Ultraestrutura e
Biologia Tecidual da Uerj, e as estudantes Kíssila Rabelo, da Pós-graduação em
Fisiopatologia Clínica e Experimental da Uerj, e Natália Salomão, da
Pós-graduação em Medicina Tropical do IOC. A equipe do Laboratório do IOC, que
integra a Rede Dengue, Zika e Chikungunya, e possui histórico de parcerias com
o serviço de saúde que realizou o acompanhamento do caso, recebeu amostras do
tecido placentário e de diversos órgãos do feto.
Por meio da técnica de
imunohistoquímica, que permite detectar o antígeno viral em células desses
tecidos, os pesquisadores conseguiram identificar a presença do vírus zika na
placenta e em diferentes órgãos fetais, incluindo cérebro, pulmões, rins, pele
e fígado. A análise do tecido placentário apontou infecções e inflamações
graves, com sinais de hemorragia, inchaço e necrose pela ação viral.
Zika versus imunidade materna
Um dos autores do estudo, o
pesquisador Marciano Viana Paes, do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisas
Médicas do IOC, explica que a disfunção placentária está relacionada à falha da
ativação da resposta imune materna à infecção. Segundo ele, o vírus foi capaz
de afetar células que compõem o sistema imune da placenta, conhecidas como
‘Células de Hofbauer’. “A infecção do órgão materno-fetal pelo zika foi
evidenciada pela produção exacerbada de citocinas e mediadores relacionados à
alteração de permeabilidade vascular, como VEGFR2 e RANTES, e da resposta
linfocitária, como os linfócitos TCD8+ que, embora importantes para o combate à
infecção, contribuíram para exacerbar a inflamação”, explica Paes. Apesar de
ser uma resposta imunológica importante do organismo à invasão pelos mais
variados microrganismos, a reação inflamatória quando exacerbada pode acarretar
efeitos danosos como os apontados no estudo.
Os resultados acrescentaram,
ainda, mais uma peça às evidências descritas em outros estudos: a existência de
um mecanismo, ainda desconhecido, que confere ao vírus zika uma capacidade
única de contornar a ativação imunológica materna (AIM). Ao invadir a placenta,
o vírus provocou diversas alterações no desenvolvimento do feto que levaram ao
aborto. As análises revelaram danos às estruturas dos tecidos do cérebro,
incluindo áreas difusas de edema, desorganização do córtex cerebral e
degeneração de fibras nervosas. A degeneração celular provocou impactos em
outros órgãos em formação, como o fígado, os pulmões e rins.
O estudo sugere que os
múltiplos efeitos foram resultado da persistência de alta viremia, ou seja, uma
grande quantidade de vírus no sangue da paciente, e uma resposta viral
exacerbada pelas manifestações neurológicas decorrentes da síndrome de
Guillain-Barré. “A síndrome de Guillain-Barré potencializou a infecção pelo
zika. O comprometimento da placenta associado aos danos sofridos pelo feto
ressalta a importância do aprofundamento da investigação sobre a influência da
imunidade materna, diante de uma infecção pelo zika, em relação ao desenvolvimento
do feto”, ressaltou Paes.
O acompanhamento clínico
mostrou que, pouco mais de um mês após a alta, a paciente ainda precisava de
auxílio para caminhar e apresentava dores nos membros inferiores. Após cinco
meses, ainda havia sequelas residuais e dificuldade de locomoção. Pouco mais de
um ano depois, a paciente retornou às suas atividades diárias.
O estudo, que faz parte de um
projeto de pesquisa da Rede 4 - Dengue, Zika e Chikungunya, financiado pela
Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(Faperj), também contou com a colaboração dos especialistas Luiz José de Souza,
do Centro de Referência de Doenças Imuno-infecciosas de Campos dos Goytacazes,
Fernando Rosman, do Hospital Municipal Jesus e da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), e Carlos Basílio-de-Oliveira e Rodrigo Basílio-de-Oliveira,
da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
Anexo:
Lucas Rocha (IOC/Fiocruz)
Agencia Fiocruz
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