quinta-feira, 21 de novembro de 2019

TRANSPARÊNCIA NA INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS NO SUS

A imprescindibilidade da transparência e da adequada fundamentação no processo de incorporação de tecnologias no SUS

Para que o processo administrativo seja aprimorado, o Poder Judiciário pode exercer importante papel, desde que demandado, produzindo o controle de atos, preferencialmente em processos coletivos.

1. A Conitec e o processo de incorporação de tecnologia
A regulamentação do fluxo do processo de incorporação de tecnologias em saúde é relativamente recente no Sistema Único de Saúde. O primeiro ato normativo a tratar do tema foi a portaria 152/GM, de 19 de janeiro de 2006.

1.1 A Citec – Comissão para Incorporação de Tecnologias do Ministério da Saúde
Num primeiro momento, a atribuição da gestão do processo de incorporação ficou a cargo da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) e a gestão de avaliação das tecnologias de interesse para o SUS, a cargo da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), conforme estabeleceu seu art. 1º, § 2º.

A mesma portaria, em seu art. 2º, caput, instituiu a CITEC - Comissão para Incorporação de Tecnologias do Ministério da Saúde, com a “missão de encaminhar o processo de admissibilidade de tecnologias em consonância com as necessidades sociais em saúde e de gestão do SUS”.

Com a portaria 2.587, de 30 de outubro de 2008, a CITEC passou a ser vinculada à SCTIE.

1.2 A Conitec - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS
Posteriormente, a lei 12.401/11 criou a CONITEC - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, que substituiu a CITEC. Regulamentando a referida lei, o decreto 7.646/11 tratou da composição e estrutura da CONITEC, bem como do novo processo de incorporação. Atualmente, a CONITEC é o órgão que promove as avaliações de tecnologias em saúde (ATS).  

1.3 O processo de incorporaçãot
O art. 3º, do decreto, que trata das diretrizes da CONITEC, prevê que o processo privilegiará “a incorporação de tecnologias por critérios racionais e parâmetros de eficácia, eficiência e efetividade adequados às necessidades de saúde” (inciso III), bem como “a incorporação de tecnologias que sejam relevantes para o cidadão e para o sistema de saúde, baseadas na relação de custo-efetividade” (inciso IV).

Seu art. 15 expressamente estatui que a incorporação, a exclusão ou a alteração de tecnologias em saúde serão precedidas de processo administrativo.

O processo se inicia com o requerimento para incorporação e alteração de tecnologia ou para a constituição ou alteração de protocolos clínicos de diretrizes terapêuticas pelo interessado (art. 15, § 1º, do decreto 7.646/11). A rigor, qualquer pessoa, física ou jurídica, pode fazer esse requerimento. Todavia, o decreto elenca requisitos que tornam a CONITEC quase inacessível àqueles que não possuam capacidade financeira ou técnica para cumpri-los. A título de exemplo, para a iniciativa, exigem-se estudos econômicos que praticamente só são feitos pelas indústrias farmacêuticas. Mais adiante, ao analisar quem são os demandantes de processos de incorporação, ficará bem clara a dificuldade de acesso à CONITEC.

Analisada a proposta de incorporação, caso se verifique que ela preenche os requisitos previstos no decreto, será feito um relatório considerando as evidências científicas, a avaliação econômica e o impacto orçamentário (art. 18).
Em seguida, o relatório será submetido à consulta pública (art. 19) e, se for o caso, à audiência pública (art. 21). Por fim, um relatório final é elaborado e enviado para a SCTIE (art. 20).

A decisão de incorporação ou não é tomada pelo Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (art. 23). Em face dessa decisão, caberá recurso ao próprio Secretário ou ao Ministro da Saúde (art. 26).

2. A natureza dos atos de processo de incorporação de tecnologias

2.1 Atos administrativos
Os atos da CONITEC são atos administrativos, na medida em que são produzidos no desempenho de função administrativa por agente estatal ou por quem esteja em seu lugar. Sendo assim, para que tenham validade, esses atos devem respeitar os princípios do direito administrativo, no que diz respeito a todos os seus aspectos: competência, forma, conteúdo, motivo e finalidade.

2.2 Existência de falhas e o aperfeiçoamento da atuação da Conitec

Ocorre que, por vezes, encontram-se falhas – que serão abordadas adiante - nos relatórios elaborados pela CONITEC, o que pode ser justificado em face da sua recente criação. 

Ao contrário de outros órgãos e agências de avaliação de tecnologias em saúde no mundo, a CONITEC não possui nem uma década de existência.

2.3 O papel do Judiciário
Dessa forma, assim como outras agências tiveram sua atuação aperfeiçoada ao longo das décadas, o fenômeno também deve ocorrer com a CONITEC. É o que demonstra o autor Daniel Wang, especificamente em relação ao sistema de saúde inglês, o NHS, National Health Service1.

Do texto do citado autor, extrai-se que o aperfeiçoamento das decisões do NHS se deveu muito à atuação do Poder Judiciário, que compeliu o sistema de saúde a dar mais clareza, transparência e racionalidade às suas decisões, sempre com o objetivo de exigir que fossem declinadas as reais razões para que uma tecnologia fosse ou não incorporada. 

Todavia, no Reino Unido, os juízes, ao invés de proferir decisões concedendo tecnologias pleiteadas em ações individuais, questionavam o próprio processo de incorporação, o que forçou que o sistema de saúde trouxesse mais elementos às suas decisões (por quê, como e o quê), a fim de se diminuir o risco de serem revisadas pelo Judiciário.

Em suas conclusões, o autor assim se manifesta:
“First, a comprehensive account of the judicial decisions in cases related to health care rationing in this article challenges the idea that English courts tend to be deferential to authorities when it comes to administrative decisions involving discretionary allocative decisions in social policies. Whilst it is true that courts have very rarely interfered directly on the outcome of a policy by, for instance, ordering the provision of a treatment, they have definitely not shied away from holding authorities to account by continuously requiring better reasons and procedural fairness.”

3. A pesquisa realizada
Levando em consideração a premissa de que o exame dos atos administrativos já praticados pode propiciar elementos concretos para a avaliação da qualidade das decisões, procedeu-se à análise de 64 relatórios de recomendações da CONITEC, referentes a medicamentos, dos anos de 2018 e 2019. O intuito do estudo foi apurar eventuais falhas em relatórios, para que elas possam ser corrigidas e evitadas futuramente.

Da análise feita, pode-se ressaltar que foram encontradas situações que chamam a atenção em ao menos 16 relatórios de 2018 e em 1 relatório de 2019. Percebe-se que os relatórios de 2019 já estão mais adequados e mais bem fundamentados, o que evidencia a boa intenção do CONITEC e a evolução na sua atuação.

Com base nesse levantamento, há atitudes e cuidados que devem ou podem ser tomados a fim de que o processo se desenvolva plenamente conforme as regras do direito administrativo.

Ressalte-se que não há dúvidas de que há questões atinentes à incorporação de tecnologias que são eminentemente técnicas e que fogem da área de conhecimento de juristas. Em razão disso, o enfoque dado na pesquisa se refere unicamente às consequências jurídicas dos atos praticados pela CONITEC.

4. Os dados colhidos com a pesquisa

4.1 Os demandantes
Num primeiro momento, é relevante mostrar alguns dados colhidos na pesquisa. Com relação ao ente que dá início ao processo de incorporação de tecnologia, pode-se dividir os demandantes em dois grandes grupos: os demandantes usuais e os inusuais.

No primeiro grupo, encontram-se a indústria farmacêutica, que deflagrou 40 processos dos 64 analisados, bem como a própria Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, que o fez em relação a 10 processos.


Daí já se percebe que é errônea a justificativa muitas vezes dada por parte do poder público de que, caso a indústria farmacêutica não deflagre o processo de incorporação de tecnologia, nada pode ser feito pelo Ministério da Saúde. Nesse sentido, o próprio decreto 7.646/11 prevê a possibilidade do Ministério da Saúde tomar a iniciativa de processos de incorporação (art. 15, § 4º).

Não se olvida que, nos casos em que a SCTIE deu início ao processo, ela pode ter sido motivada principalmente pela excessiva judicialização de alguns medicamentos, de forma que a análise por parte da CONITEC se mostrou uma forma racional de lidar com o excesso existente. Todavia, isso não afasta a conclusão de que o próprio MS pode, através de seus órgãos, atuar de ofício e provocar a incorporação de tecnologia em outros casos.

Entre os demandantes usuais também figuram os Grupos Elaboradores de PCDTs, que foram responsáveis pelo início de 5 processos de incorporação de medicamentos.

No grupo dos demandantes inusuais estão o Conasems, a Prefeitura de Belo Horizonte, a Sociedade Brasileira de Oncologia, a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica e a 22ª Vara Federal de Belo Horizonte, sendo que cada um desses deflagrou 1 processo de análise pela CONITEC. Ainda, encontram-se a Secretaria Estadual de Saúde de MG e a Secretaria de Vigilância em Saúde, ambas com 2 processos cada.



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