Composto denominado AG-hecate
atua também em bactérias, fungos e células cancerosas e será testado contra os
vírus da zika e da febre amarela (imagem: mecanismo de ação proposto para o
AG-hecate. A figura mostra na parte superior (baixas concentrações do
material): 1) HCV; 2) Interação do AG-Hecate com o envelope viral, destruição
do vírus e liberação do material genético (+ssRNA); 3) Interação do AG-Hecate
com a membrana da célula hospedeira e permeabilização do peptídeo; 4) Lipid
Droplet; 5) Interação do composto com as Lipid Droplets, com consequente
desestruturação das mesmas liberando as proteínas do complexo de replicação. E,
na parte inferior (altas concentrações do material): 1) Interação do composto
com a membrana plasmática da célula hospedeira e disrupção com consequente
morte celular; 2) Interação com o envelope viral e destruição do vírus)
Um novo composto que inibe a
replicação do vírus da hepatite C (HCV) em diversos estágios de seu ciclo – e é
capaz de agir também em bactérias, fungos e células cancerosas – foi
sintetizado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
O estudo – apoiado pela FAPESP
por meio de vários instrumentos de fomento à pesquisa [veja a relação adiante]
– foi descrito em artigo publicado na revista Scientific
Reports, do grupo Nature.
“O que fizemos foi combinar
moléculas já existentes, por meio de síntese em laboratório, para produzir
novos compostos com potencial biológico. Esse método é chamado de
bioconjugação. Por meio da bioconjugação, sintetizamos seis compostos e os
testamos nos genótipos 2a e 3a do HCV. E conseguimos chegar a um composto com
grande potencial terapêutico”, disse o químico Paulo Ricardo da Silva Sanches, um dos dois autores
principais do estudo, à Agência FAPESP.
O vírus da hepatite C
apresenta significativa variabilidade genômica, exibindo pelo menos seis
genótipos principais, cada qual com subtipos. Os genótipos 2a e 3a são os subtipos
mais comuns do HCV circulante. O composto capaz de destruí-los – o AG-hecate –
foi sintetizado a partir do ácido gálico e do peptídeo hecate.
“Descobrimos que esse composto
atua em quase todas as etapas do ciclo replicativo do HCV – o que não é uma
característica comum nos antivirais. Esses geralmente têm alvos pontuais e
isolados, como proteínas do capsídeo, receptores de membranas ou proteínas
específicas como a NS3, inibindo processos específicos como a entrada do vírus
nas células, a síntese do material genético e de proteínas, a montagem e
liberação de novas partículas virais. O AG-hecate, ao contrário, apresentou
ampla atividade, agindo em diversas etapas do ciclo”, explicou Sanches.
“O composto também apresentou
atividade nos chamados ‘lipid droplets’ – gotas de lipídeo no interior das
quais o vírus circula nas células e que o protegem do ataque de enzimas. O
AG-hecate desestrutura essas gotas de lipídeo e deixa o complexo replicativo do
vírus exposto à ação das enzimas celulares”, prosseguiu.
Os pesquisadores testaram o
AG-hecate tanto no vírus completo quanto nos chamados “replicons subgenômicos”,
que possuem todos os elementos para a replicação do material genético do vírus
nas células, mas são incapazes de sintetizar proteínas responsáveis pela
infecção. E o composto foi eficiente em todos os testes.
Outra virtude apresentada pelo
composto foi seu alto índice de seletividade. Isso significa que ele ataca
muito mais o vírus do que a célula hospedeira. E, assim, tem potencial para ser
utilizado como fármaco no tratamento da doença.
“Apesar de o composto
apresentar pequena atividade nos eritrócitos, os ‘glóbulos vermelhos’ do
sangue, a molécula precisa passar por alterações em sua estrutura para reduzir
ainda mais a sua toxicidade. É nisso que estamos trabalhando agora, para que a
pesquisa possa evoluir da fase in vitro para a fase in
vivo”, disse o pesquisador da Unesp.
Como informou o
professor Eduardo Maffud Cilli, orientador do doutorado de
Sanches no Instituto de Química da Unesp em Araraquara (SP), “o tempo médio
para o planejamento e desenvolvimento de peptídeos terapêuticos é de 10 anos.
Acabou de sair um estudo com esses dados. Até agora, foram despendidos
aproximadamente dois anos no desenvolvimento da molécula de AG-hecate”.
“Considerando a média estatística, serão necessários mais oito anos antes que a
droga chegue ao mercado.”
Cilli participou do estudo e
também assina o artigo publicado em Scientific Reports. “A ótima
notícia é que essa molécula não age apenas no HCV. Pode agir também em
bactérias, fungos e células cancerosas. Além disso, como os vírus do zika e da
febre amarela apresentam ciclos replicativos bastante parecidos com o do HCV,
vamos testar a efetividade do AG-hecate também em relação a esses vírus”,
disse.
No caso do câncer, a molécula
interage e destrói a membrana da célula afetada. Aqui, a seletividade da ação
do AG-hecate deve-se ao fato de que a célula modificada pelo câncer tem uma
quantidade maior de cargas negativas na superfície do que a célula normal. E o
peptídeo tem carga positiva. Então, a ação se dá por atração eletrostática. No
caso do vírus, o mecanismo de ação da molécula é mais complexo, como mostra a
ilustração.
Os estudos foram realizados no
Laboratório de Síntese e Estudos de Biomoléculas do Instituto de Química da
Unesp em Araraquara, coordenado pelo professor Eduardo Maffud Cilli, e no
Laboratório de Estudos Genômicos do Instituto de Biociências, Letras e Ciências
Exatas da Unesp em São José do Rio Preto, coordenado pela professora Paula
Rahal, orientadora do doutorado de Mariana Nogueira Batista, pesquisadora que
divide autoria deste trabalho com Sanches.
Apoio da FAPESP
Além de Sanches e Cilli,
participaram do estudo Mariana Nogueira Batista, Bruno Moreira Carneiro, Ana Cláudia Silva Braga, Guilherme Rodrigues Fernandes Campos e Paula
Rahal.
A pesquisa foi apoiada pela
FAPESP no âmbito do Centro de Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar),
um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela
FAPESP. A Fundação também concedeu bolsas aos seguintes projetos:
O artigo GA-Hecate
antiviral properties on HCV whole cycle represent a new antiviral class and
open the door for the development of broad spectrum antivirals pode
ser lido em www.nature.com/articles/s41598-018-32176-w.
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